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Ninguém é de ninguém: eles são a favor do casamento aberto

Não sou da geração que viveu o amor (e o sexo) livre nos anos 70, mas sei que os jovens daquela época (principalmente os hippies) precisaram levantar essa e outras bandeiras para romper com padrões sociais absurdos, como a imposição da virgindade até o casamento. Mas que hoje, mesmo depois de tantos tabus rompidos, um grupo de pes­soas acredite tanto no amor livre a ponto de fazer dele uma verdadeira “causa de vida” é no mínimo instigante. Assim que descobri a existência dos RLIs (como se intitulam os membros da Rede Relações Livres), quis saber por quê, afinal, eles acham que viver todas as paixões ao mesmo tempo pode ser melhor do que se aprofundar em uma de cada vez. Antes de chegar lá, no entanto, tenho de confessar que, no meu imaginário, habitava uma tribo estereo­tipada, meio comunidade hippie 2.0, com roupas setentinhas (ou totalmente sem roupa). Mas, para minha surpresa, ao chegar a Porto Alegre, onde moram os RLIs, descobri que não era nada daquilo.

Marco Rodrigues, um sociólogo de 50 anos com jeitão de 30 e poucos, me recebeu na casa dele com outras três pessoas: a artista plástica Rosana Müller, 26, a professora Roselita Campos, 38, e o cozinheiro Ricardo Gomes, 28 — os “cabeças” do grupo com 50 membros que acreditam no amor e no sexo livres. Em minutos, percebi que, por mais que eu quisesse encarar aquela ideia com certo humor, não iria muito longe. Os RLIs realmente se levam muito a sério: acreditam de verdade que encontraram uma forma revolucionária de amar — a mais livre de todas, segundo eles. Nesse primeiro encontro, Marco, Rosana, Roselita e Ricardo me explicaram os conceitos da rede, os motivos pelos quais são contra o casamento e questionam a monogamia e a suposta hipocrisia da sociedade atual. Citaram Wilhem Reich e Friedrich Engels, pensadores libertários com os quais têm ideias e ideais em comum, e ­Jean-Paul Sartre e Simone de Beau­voir, os precursores das relações sem amarras. Depois de ­duas horas, saí de lá cheia de informações, com várias entrevistas marcadas para o dia seguinte e uma certeza: os RLIs militam a causa do amor livre com tanta dedicação quanto os que levantam bandeiras políticas. Nada de bichos-grilos, eles são é engajados.

No dia seguinte, fui logo cedo para a casa onde moram Rosana e Ricardo, na zona sul de Porto Alegre. O lugar é simples, um quintal enorme, cheio de árvores, mas nada de luxo — “apenas o que é preciso para viver”, disse Rosana, me fazendo lembrar os hippies (parece ideia fixa, mas eu sabia que encontraria algum traço dos anos 70 por ali). Simpáticos e receptivos, os dois me convidaram para o almoço. Enquanto Ricardo preparava uma macarronada com frango, sentei para entrevistar Rosana. Os dois são namorados (na nossa classificação, claro, já que eles preferem evitar os rótulos), mas não são exclusivistas. Funciona assim: Rosana se apaixonou por Ricardo numa viagem a Florianópolis, no primeiro semestre, e, com o consentimento de Marco, seu parceiro há três anos, o convidou para ir para Porto Alegre. Além dos dois, ela se relaciona também com Leo há pouco mais de dois anos. “Vivemos a mais plena liberdade afetiva e se­xual. Sou livre para amar e transar com quem quiser, e assim também são meus parceiros”, explicou ela, com sotaque bem carregado.

Natural de Pelotas, Rosana disse ter percebido cedo que não conseguiria se encaixar no padrão monogâmico de relacionamentos — apesar de ter vivido um, com direito a todos os dramas e brigas que podem vir no pacote. Inclusive o ciúme. “Sabe barraco? Pois eu armava um daqueles quando ele se atrasava para me buscar em casa. Saía pela vizinhança atrás dele e o trazia pelo braço, gritando no meio da rua”, disse. Sofreu, chorou, traiu, foi traída e chegou à conclusão de que não conseguiria passar por isso de novo. Como militante estudantil, teve contato pela primeira vez com a ideia de relacionamento aberto nos tempos em que colaborou com o MST e decidiu que era dessa forma que iria amar dali em diante. Levou muitos foras de garotos que não aceitaram essa liberdade e sofreu por isso também. Mesmo assim, diz que é mais feliz livre. “Ok, Rosana, eu acredito”, pensei. “Agora, me diz como uma garota ciumenta daquele jeito de uma hora para outra topa dividir o cara com outras mulheres?”. E ela respondeu: “Quando tu entende que não é dona de ninguém, que o ciúme está relacionado ao sentimento de posse e à ilusão de que é possível ter alguém para sempre, tu vê que ele perde o sentido”, disse. “Não é outra pessoa que faz a gente perder quem ama, mas o nosso comportamento. E o amor.” É, na teo­ria, faz sentido. Mas, sendo um sentimento involuntário, o ciúme não é tão fácil assim de ser domado, quanto mais esquecido de vez. Mal terminei de formular a pergunta para ela e Ricardo, da cozinha, interferiu. “É, não é fácil, mesmo. Não gosto de ver a Rosana com outro homem. É uma coisa que estou aprendendo a controlar”, disse. Rosana riu. “Ele ainda é novo no grupo, está passando por um processo que para uns foi mais fácil e, para outros, mais difícil.” E qual seria o método, se é que existe um? “Estou lendo uns livros de autoajuda para dependentes químicos, porque vejo o ciú­me como um vício. Está me ajudando muito”, assumiu Ricardo.

Durante os três dias que passei com eles todos, tive algumas “provas” de que Rosana realmente não sente mais ciúme — ou, pelo menos, disfarça muito bem. Uma delas foi durante um passeio pelo bairro boêmio de Porto Alegre, o Cidade Baixa, quando Marco andou de mãos dadas e trocou carinhos e abraços com Roselita, sua parceira fixa há 15 anos, na frente de Rosana. A outra prova foi quando, na casa dele, me chamou para ver as gavetas que separou, no seu guarda-roupa, para as namoradas deixarem suas coisas. Fiquei passada: a síntese daquela tribo do amor livre estava ali, num simples armário. A primeira gaveta era de Rosana, a segunda, de Roselita, e a terceira, com absorventes, toalhas e suprimentos femininos, foi batizada de “gaveta das amigas”, para eventuais one night stands.

Fonte: Revista Marie Claire

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